segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A cura



A tarde estava fresca e agradável. Pela janela do quarto, entrava uma brisa leve que balançava a cortina de forma harmoniosa. Sarah estava sentada à escrivaninha passando o tempo com uma das coisas que mais gostava de fazer; escrever. Sua agenda estava aberta na data do presente dia, ela era colorida e cheia de desenhos nas bordas das páginas. Seu dia havia sido monótono e entediante, não havia nada que ela poderia escrever ali que fosse importante ser registrado. Isso acontecia frequentemente, pois na maior parte do tempo, seus dias eram sempre iguais. Para não deixar aquelas páginas em branco, ela escolhia algum assunto para escrever, ou então inventava alguma história, ou simplesmente ia escrevendo o que vinha em sua cabeça.
A brisa que vinha lá de fora acabou virando um vento mais forte e Sarah sentiu os pelos do braço arrepiarem de frio. Ela se levantou e foi até o armário pegar uma blusa. Abriu a porta do armário, pegou a primeira blusa que viu na frente e a vestiu. Enquanto colocava as mão entre a nuca e cabelo para tirá-los de dentro da blusa, ela encarou a própria imagem refletida no espelho que ficava na porta do armário, do lado de dentro. Chegou mais perto e colocou a blusa de lado um pouco, para visualizar a sua mancha no ombro.
Sarah passou longos minutos na frente do espelho, examinando as manchas de vitiligo que tinha na pele. A do ombro, que ela vira crescer e depois de um tempo se estagnar. E a da raiz do cabelo, que só percebera que tinha por causa dos fios brancos de cabelo que nasciam daquela parte de sua cabeça. De tudo o que Sarah tinha visto sobre a doença nos últimos anos, só tinha uma coisa que ela ainda não entendia. Se a mancha estava ali em sua pele, resultante de suas frustrações emocionais, porque ela ainda sentia todo o peso de seus sentimentos guardados em suas costas? Porque aquilo tudo não fora substituído pelo vitiligo? Seria uma ótima troca, na concepção de Sarah.
Mais alguns minutos apenas foram necessários para que ela chegasse a uma conclusão. Quando sua mente se fechou guardando suas raivas, tristezas e alegrias, seu corpo encontrou uma forma de gritar. De tentar mostrar ao mundo que aquilo estava fazendo mal a ele. Porém, se o mundo a sua volta não vê e nem entende o sentido daquela mancha, de nada adianta. Tudo continuará guardado ali onde sempre esteve.
O vitiligo servia então como um simples alerta, uma mensagem que vinha do fundo de seu ser, para ela mesma. E não importava o quanto ela tentasse se esquecer de seus problemas, o quanto tentasse ignorar os apelos de seu coração. Aquela marca em sua pele sempre estaria ali, lembrando-a que alguma coisa estava errada. Sarah queria encontrar uma saída, uma cura. Não para suas manchas, ela até gostava delas. Mas para seu interior, sua mente, sua alma, seu coração. Algo onde ela pudesse despejar tudo que tinha dentro dela. Algo com que ela pudesse se expressar de forma sincera. E principalmente algo que pudesse aceitar e compreender os seus motivos, sem julgá-la e criticá-la antes de conhecê-la.
O vento entrou forte de novo pela janela e a garota cobriu o peito totalmente com a blusa, fechando o zíper até quase o final. O vento fez com que as folhas da agenda de Sarah fossem virando, uma a uma. Ela olhou aquilo como se olhasse para uma tela de tevê onde estava passando um filme muito interessante. As folhas viravam voltando ao início da agenda, era como se voltassem no tempo. A medida que isso acontecia, uma ideia invadia sua mente. Ao contrário da agenda, Sarah não podia voltar no tempo, muito menos apagar tudo que já fora escrito em sua história. Entretanto, assim como a agenda, Sarah ainda tinha muito tempo pela frente, muitas páginas em branco para continuar a escrever. Cabia somente a ela, e a mais ninguém, então, continuar escrevendo tudo igual com o mesmo lápis velho, ou então comprar um novo e começar a escrever diferente, começar a mudar sua história.
Sarah sempre foi uma das melhores alunas da classe, em todos os anos da escola. Uma de suas matérias preferidas era o português. A partir da quinta série, quando começou a ter aulas de redação e literatura, ela passou a gostar ainda mais da matéria. Sempre tirava notas altas e ganhava elogios dos professores. Até a conclusão do ensino médio, foi assim.
A garota sempre conseguiu se expressar muito bem através da escrita, através de seus textos. Sempre adorou ler livros longos e de histórias fictícias. Sempre se comunicou melhor com as pessoas pela internet do que pessoalmente. Então, a ficha finalmente caiu, e Sarah se deu conta do que deveria ser muito obvio há tanto tempo. “Como eu não percebi isso antes?” se perguntava ela, ao juntar todos os pontos e encontrar, finalmente, a sua cura.
Foi até sua escrivaninha e começou a abrir as gavetas à procura de folhas de papel em branco. Encontrou um pacote aberto com um bloco que deveria ter no mínimo umas cem folhas de sulfite. Fechou sua agenda e a deixou de lado. Colocou o bloco de papel em cima da escrivaninha e procurou por um lápis novo em seu estojo. Encarou a folha em branco por alguns instantes e depois começou a escrever uma história que começava mais ou menos assim:
“Sarah sempre foi uma garota tímida e discreta...”

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Capítulo final do meu livro-reportagem realizado para o Projeto Experimental do 8º período do curso de Jornalismo e finalizado há poucos dias...